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Comentários sobre o espetáculo “Alteridade”

A Companhia Fúria, com temperos de voracidade e sensibilidade, articula questões do feminino no mundo contemporâneo. As atrizes e fundadoras do grupo Beatriz de Miranda Kovacsik, Giulia Fontes, Luisa Hokema e Maria Giulia Pinheiro, entram em cena para trazer voz às mulheres que sofrem violência, tanto da ordem do real como do imaginário.

O espetáculo “Alteridade”, com direção de Luaa Gabanini e dramaturgia de Maria Giulia Pinheiro, desloca a mulher do seu lugar passivo socialmente concebido, para um lugar de sujeito ativo no seu processo de (des)cobrimento e na conquista da alteridade.

O ritmo das palavras, a sonoridade e a poesia da dramaturgia de Maria Giulia Pinheiro são resultado de mais cinco anos de pesquisas sobre a cultura do estupro, estética da pulsão feminina e sobre o arquétipo da Alteridade. O grupo de teatro Núcleo Bartolomeu de Depoimentos contribuiu com as cores: Luaa Gabanini na direção geral, Claudia Schapira e Eugenio como provocadores e Roberta Estrela D’Alva como orientadora de Spoken word.

Em cena, o tema de violência não vê sua marca somente do abuso sexual, mas, sobretudo, esgarça das fronteiras entre silêncio, não-ditos e conformismo que aprisionam o feminino, com semblante de “liberdade e direitos iguais”, da pós-modernidade. Em “Alteridade”, a anatomia do feminino como destino do silêncio adquire contornos próprios de um espetáculo que traz o lado sombrio da violência opaca contra as mulheres.

Precisa-se de muitas peles para suportar as diversas situações de humilhação, violência e risco que estão implicados no “ser mulher”. A transparência do figurino constrói a ponte de significações entre a impotência da mulher até a descoberta da potência no desvelamento de suas próprias cicatrizes. Em “Alteridade”, as mulheres se tornam sujeitos de sua própria história, não silenciando as memórias, mas, ao contrário, lembrando para elaborar e, finalmente, poder se distanciar do traumático tão em ebulição.

Aquilo que silencia, como sabem os psicanalistas, retorna no real. Por isso, um espetáculo que traz sem medo os tabus e, talvez, o lado mais perverso e destrutivo da humanidade, leva a questionamentos urgentes e necessários. Não é possível fechar os olhos em “Alteridade”, somos capturados por uma atmosfera fascinação, incômodo e enigma que enlaça todos os espaços.

Se arte é o lugar da potência do encontro para que a experiência traga novas significações, sentidos e nos leve além de nós mesmos, a peça “Alteridade” interroga o espectador sobre a posição dada às mulheres na sociedade capitalista pós-moderna, propondo chaves para o enigma de Freud: “Afinal, o que querem as mulheres? ”

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